Tales Frey

Indestrutível (2015)

 

Tales Frey, Indestrutível. Performance realizada em Campinas-SP, Brasil. Junho de 2015. Fotografia de Vinícius Mastelaro

 

Com elementos lúdicos alimentícios e decorativos, os quais remetem às festas de aniversários infantis, construo uma massa corpórea similar ao meu corpo, buscando uma idêntica silhueta. Tal objeto é destruído no espaço diante do público para que as partículas coloridas se reintegrem em outras matérias vivas e mortas e garantam uma metafórica imortalidade, tornando-me indestrutível através da destruição.

 

FICHA TÉCNICA

Performance de Tales Frey | Duração: em torno de 40 minutos

 

HISTÓRICO

AO VIVO

[2016] Memento Mori. SESC Sorocaba, Sorocaba-SP, Brasil.

[2016] SESC Barra Mansa, Barra Mansa-RJ, Brasil.

[2016] Memento Mori. SESC Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil.

[2016] DARC Studio. Organização de Manuel Vason. Londres, Inglaterra.

[2016] Performance, Agora! Curadoria de Fernando Matos Oliveira. Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra, Portugal.

[2015] Memento Mori. SESC Santos, Santos-SP, Brasil.

[2015] Performapa. SESC Ipiranga, São Paulo-SP, Brasil.

[2015] Mostra Performance em Encontro. Curadoria de Cássio Quitério. SESC Campinas, Campinas-SP, Brasil.

 

SOB FORMATO VÍDEO E/OU FOTOGRAFIA

[2016] Exposição Memento Mori. Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães, Portugal.

[2016] ENAPE – Encuentro Nacional de Performance. Curadoria de Laura Lubozac. Pachuca de Soto, Hgo., México.

[2015] Mostra Performance em Encontro. Curadoria de Cássio Quitério. SESC Campinas, Campinas-SP, Brasil.

 

Tales Frey, Indestrutível, 2015. Vídeo, 6’52”

 

Tales Frey, Indestrutível. Performance realizada em Campinas-SP, Brasil. Junho de 2015. Fotografia de Grasiele Sousa

 

Tales Frey, Indestrutível. Performance realizada em Campinas, SP, Brasil. Junho de 2015. Fotografias de Grasiele Sousa

 

Tales Frey, Indestrutível, 2016. Vídeo, 6’48”

 

Tales Frey, Indestrutível, 2016. Vídeo (Live Streaming), 24’23”

 

Indestrutível (2015) de Tales Frey publicado no catálogo Emergency Index Volume 5 (Ugly Duckling Presse, 2016)

 

3º Aniversário-Performance de Tales Frey, de Fernanda Carlos Borges

Indestrutível é o nome do terceiro trabalho da série aniversário-performance, na qual Tales Frey completa seus 33 anos. Nela, ele destrói um boneco do seu próprio tamanho. Mas não o faz de qualquer jeito: o boneco é paulatinamente destruído na medida em que cai. E não cai de qualquer jeito. Primeiro cai quando o artista deixa de apoiá-lo. Depois, quando o artista o empurra. E quando, de tanto cair, o boneco já não tem mais estrutura para se manter em pé, é sistematicamente amontoado e destroçado pelas mãos de Tales, o aniversariante. Ambos estão revestidos de chocolate e cobertos com granulados coloridos. O performer veste um terno preto e o boneco é recheado de doces que se espalham pelo chão na medida em que é destruído.

Mas há mais.

No início, o aniversariante apoia o boneco pela nuca, com a testa. A orientação do artista é condicionada pela forma do boneco. Há um tempo de intimidade nisso. A forma do boneco penetra no corpo do aniversariante que se conforma a ele. O sentido imanente do aniversariante. Condição da sua postura como corpo no mundo. Ao menos até então. O aniversariante se afasta e o boneco cai. A queda do aniversariante é a inclinação conservadora do corpo que recupera o boneco: a referência sensório-motora do aniversariante conformado. A única orientação possível, ainda. Testa e nuca, novamente. É preciso que o caminhar reconstrua o mundo conhecido. Agarrado ao boneco. Feito esquema motor reificado. A existência do boneco depende da sua incorporação pelo corpo do aniversariante. O como estar no mundo do aniversariante depende da incorporação da forma do boneco. Um depende do outro. O modo como o corpo foi, quer permanecer. O modo como o corpo pode ser, empurra o corpo como foi. Ambos caem: o boneco no chão e o aniversariante na inclinação conservadora que retoma o hábito. O boneco é mais uma vez erguido. Mais uma vez, caído. Até que não haja mais condições para testa nem nuca nem incorporação. Há um corpo fragmentado que não pode mais ser mantido em pé. E que não pode mais sustentar a orientação habitual do aniversariante. Há o corpo de um aniversariante desorientado cuja mobilidade, agora, depende da destruição do boneco. Há uma nova inclinação que junta as partes para arremessá-las com força ao chão. Várias e várias vezes. Ainda não há futuro. Há balas que caem do corpo que se desmancha. Há uma nova orientação ao passado que não trata mais de conservar. Trata de destruir. Há algo de doce na destruição. Pinhata. Melting.

Mas há mais.

Há o corpo na arte da performance. A performance como um rito artístico de desincorporação. Não se trata de representação; há o fato. O aniversariante foca na nuca do boneco cujo rosto é que se apresenta para o mundo. O passado é esquema sinestésico insistente que corresponde a conhecidos modos de agir e de perceber. A repetição faz do esquema de movimento uma entidade autônoma e imanente que sobrevive, como memória, aos corpos que possui. Enquanto objetos da cultura, os esquemas estabilizados transitam entre o mundo das imagens e o mundo dos corpos em movimento. Entidades. Incorporações. Encostos. Esquemas que duram mais do que os corpos que possuem. Cultura. Hábito. Transitam de corpos em corpos entre a vida privada e a vida pública, de geração em geração. Enquanto autônomas, estas entidades são invisíveis. Sua visibilidade depende dos corpos que incorporam e as expressam. Corpos humanos, corpos de tinta e pedra, corpos de luz e écran, corpos de som e muitos outros corpos. O rito de aniversário de Tales Frey começa dando visibilidade à entidade que o prende ao passado e à repetição num corpo de papelão. É mais do que representação. É o primeiro momento da desincorporação. Como um xamã primitivo, aprisiona a entidade em cola, papel, chocolate e granulados coloridos. Há um significado na forma que não está totalmente ao nosso alcance. Sabemos que Tales não é capaz de olhar de frente com a cabeça erguida para cima e voltada para o lado. Se fosse um movimento, talvez evitasse o contato, tendendo à rejeição do outro e ao isolamento. Sabemos que os seus braços são semicurvados ao longo do corpo e que suas mãos voltadas para frente sustentam dedos tensos. Se fosse um movimento, talvez pedisse ou agarrasse. Ou talvez não agarrasse, presa ao pedido. Sabemos que o conjunto de pernas e pés não possuem uma direção definida, pois cada pé está voltado para uma direção diferente. Se fosse um movimento, pode ser que oscilasse de um lado para o outro tendendo à confusão. O que o artista apresenta é a destruição sistemática da entidade, não apenas no boneco de papelão mas sobretudo no corpo daquele que destrói o boneco. É preciso elaborar a relação de apego e desapego no processo de desincorporação. A entidade limita, mas também protege. Ela é o apoio, mas também a prisão. O desconhecido é a promessa que também é um risco. O risco é o tombo. Os esquemas sinestésicos autônomos e reificados se incorporam nos músculos, nos tendões e no cérebro. Comprometem todo sistema sensório-motor cujo equilíbrio biomecânico depende deles. Desfazer-se dos esquemas habituais é também experimentar o desequilíbrio que favorecerá um novo mundo de tropeços, inclinações, tensões e sentidos. Para não cair, o aniversariante se dobra. E se dobra quantas vezes for necessário para refazer o trânsito do movimento condicionado a um novo campo de possibilidades. Quem cai é a entidade. E Tales permanece de pé sem medo de reconhecer que há o chão. No rito-performance, a magia começa de baixo.

Mas há mais.

A palavra “performance” derivou do latim per-formare, cujo significado corresponde a “dar forma” ou “realizar”Na antropologia, performance remete ao que é produzido para ser visto no corpo. Na arte, o interesse pelo “para ser visto” é somado ao interesse poético pelo “modo como” o corpo produz a forma para ser vista. A arte da performance já era realizada pelos modernistas quando o performer não representava um personagem, mas apresentava uma ação. Enquanto as forças da cultura tradicional tendem para a repetição, a arte da performance, em um mundo complexo, tende a possibilitar a percepção do conflito entre os mundos sinestésicos, dos novos mundos engendrados na performatividade do corpo, e apresenta ainda tendência para a invenção de novos mundos possibilitados pelo sistema sensório-motor. Enquanto a clássica representação teatral está a serviço de “fazer algo parecer real”, a performance cria uma situação mais próxima da demonstração ritual, como em Indestrutível. Um dos recursos mais comuns nas performances desde o início do século XX foi a marionete para tratar das forças que movem o corpo do homem. Quem é a marionete na performance Indestrutível? O aniversariante é a marionete do esquema sinestésico reificado feito entidade e capturado na forma do boneco. A performance trata de fazer romper os fios das unidades motoras que condicionam o movimento do performer.

Mas há mais.

Destrutíveis são os encostos.

Ao menos 400 mil unidades motoras movem as articulações e cerca de quinhentos músculos, que envolvem o esqueleto articulado por cerca de duzentas alavancas ósseas: um sistema conectado, numa rede hipercomplexa, à inumeráveis possibilidades sinápticas do cérebro. Isso resulta em uma quantidade de mundos de estados mentais e corporais possíveis maior do que tudo o que existe no universo conhecido. O corpo humano não tem forma definida. As formas do corpo humano são criadas no cultivo da cultura que envolve todas as nossas relações. Os esforços significativos de sustentação da postura do corpo são poiéticos: posição, atitude e disposição continuamente recolocadas. A arte primeira é a que produz as tensões que sustentam e formam o corpo humano para saber de si e da relação com o outro.

Indestrutível é a poiética contínua da postura.

Indestrutível é o movimento do imaginário.

Indestrutível é a criatividade artística do aniversariante.

Indestrutível é a possibilidade de fazer outra coisa.