Tales Frey: “Provador” (2024)

 

Legenda

 

Os saberes dominantes são derrubados […] como desmaia um corpo que se deixa beijar até a mordida de uma amante vampira.

Paul B. Preciado

 

Tales Frey prova sapatos de salto alto. Como exercício artístico e modo de vida, o artista subverte os códigos – ou os roteiros culturais que dialogam com o imaginário social – da masculinidade e da feminilidade – e também das práticas sexuais – em suas icônicas e emblemáticas (re)construções queer para questionar a ação das disciplinas dominantes de normalização que produzem e impõem formas específicas de subjetivação na ficção política encarnada que somos – mesmo nos deixando vistas por vezes em estado de tensão, indispostas, enfurecidas e destituídas por conta de não pertencermos à norma. Com o percurso multifacetado de quase duas décadas, Frey reafirma, antes de tudo, uma forma muito própria sua de se articular no espaço da criação, em que se sucede e se justapõe o seu corpo como material primário – potência política de vida – em múltiplas mídias, desde os vídeos e fotografias às esculturas cinéticas, performances, desenhos, indumentos e instalações.

Em Provador, o gesto fabulatório do artista contesta o que é tido por normal, natural e verdadeiro dentro do ordenamento cisheteropatriarcal do nosso dia a dia, mostrando que a dimensão dispositiva da vida não é somente resultado dos efeitos discursivos sobre o sexo-gênero-desejo, e ressalta, assim, a potência política transformadora de determinados corpos e identidades que são lidos cotidianamente como “anormais” e atravessados constantemente pela cansativa regulação normativa. Por isso, é importante localizar que o sujeito-artista de enunciação é uma bicha, porque parte da imagem e consciência de seu corpo para produzir formas de representação queer solo ou em conjunto com outros corpos de múltiplos outros marcadores identitários, e não é à toa que vemos nos muitos registros documentais de suas performances algumas pessoas da audiência se sentindo autorizadas quase sempre a interpelar explicitamente o(s) corpo(s) do(s) artista(s) numa tentativa de corrigi-lo(s), como é o caso do espectador quase queimando com um isqueiro a bunda do artista em Por Favor, Não Tocar (2015) em Portugal, bem como o dos homens profetizando e ameaçando dar um soco na dupla de performers durante a apresentação de Be (On) You (2016) no México, e o do transeunte querendo dar um tiro nos cinco performers em O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – Variante I (2018) no Brasil, entre outros exemplos.

Na sala de exposição do Maus Hábitos, o salto alto é reapropriado pelo artista como reviravolta epistemológica na videoperformance Il Faut Souffrir pour Être Belle (2018), na documentação da performance Calçado (2024), no desenho Passo III (2024) e na escultura Stiletto Dance (2024). Em síntese, essas metáforas queer evocadas por Frey – juntamente com a intervenção de parede Transbordamento (2024) – respondem às diversas questões que emergem do nosso tempo, servindo como instrumento basilar de conceitualização de outras formas de organização dos corpos e de suas práticas sociais, bem como de ferramenta teórica para compreender a construção social e a fabricação histórica e cultural das diferenças diante da tal suposta verdade ontológica.

 

Hilda de Paulo

 

OBRAS

 

1) Tales Frey, Il Faut Souffrir pour Être Belle, 2018. Videoperformance, 2’03”;

2) Tales Frey, Stiletto Dance, 2024. Escultura;

3) Tales Frey, Transbordamento, 2024. Intervenção sobre parede;

4) Tales Frey, Passo III, 2024. Desenho;

5) Tales Frey, Calçado, 2024. Colagem.

 

PROGRAMAÇÃO PARALELA

Em breve.

 

FICHA TÉCNICA

Tales Frey: Provador | Curadoria de Hilda de Paulo | Programação e Gestão: Saco Azul – Associação Cultural | Produção: Daniel Pires e Daniel Amorim | Apoios: ArtWorks, Concurso Anual de Apoio à Criação Criatório 2023/Câmara Municipal do Porto e Bondhabits | Gestão de Conteúdos Digitais e Comunicação: Luís Masquete | Assessoria de Imprensa: Luís Masquete | Design: Simão Martinez | Montagem: Alexandre Simões | Limpeza: Manuela Pinto | Organização e Direção Artística: Saco Azul & Maus Hábitos