Como vai você, Sr. Curador? (2025)

 

 

A pintora e seus gestos

 

Quer dizer então que a senhora acredita mesmo na imortalidade da alma? Respondi: Acredito na imortalidade da minha alma. Mas o senhor, se continuar coçando o saco dessa forma, sequer constituirá uma!

Hilda Hilst

 

Em Como vai você, Sr. Curador?, Hilda de Paulo tensiona duas forças motrizes de suas pesquisas poéticas recentes: identidade e subjetividade. Dialogando com o campo da cultura e da política, apresenta obras inéditas e multilinguagem que discutem, com irreverência, seu posicionamento enquanto artista travesti e emigrante frente ao sistema da arte. Recorre, ainda, à noção de política visual, formulada por bell hooks, para evidenciar como marcadores sociais da diferença moldam quem é visto, como é visto e quem tem legitimidade para produzir saber. Com feraz consciência crítica de gênero, as obras revelam, de forma afrontosa, a exaustão diante da coaptação identitária operada pelo sistema das artes, em gestos que venho nomeando como inflexões transfeministas.

É nas pinturas que o universo subjetivo se precipita em formas abstratas, com sugestões figurativas de paisagens que se dissolvem e se recompõem por microcontornos de tinta acrílica. Transbordando o mesmo espírito efervescente, irônico e crítico da produção independente da Geração 80, Hilda de Paulo nos recorda a permanência da pintura enquanto gesto disruptivo de criação.

Nas telas de pequeno formato – escala historicamente acessível às mulheridades –, encontramos arranjos particionados que remetem aos pisos de cacos da arquitetura brasileira dos anos 1940, revelando o labor minucioso e exaustivo oculto sob a economia visual sistemática e repetitiva. Assim como na arquitetura o reaproveitamento de materiais era imperativo, na pintura de Hilda encontramos o reacesso a memórias, subjetividades e personagens que incitam seus gestos pictóricos.

Se, em 1984, os curadores perguntavam “como vai a geração de pintores?”, aqui é a artista quem devolve a questão ao sistema da arte, corporificado na figura do curador. Pergunta-lhe: como estão os humores da curadoria institucional para visitar esta metáfora de ateliê e observar a produção de uma artista travesti, goiana e emigrante que pinta abstrações?



 

Maíra Freitas

curadora, artista-educadora e pesquisadora

 

OBRAS

1) Hilda de Paulo, Rota Solitária, 2024-25. Acrílica sobre tela, 5 x 7 cm cada;

2) Hilda de Paulo, Rota Solitária (A Morte de José Arcadio Buendía), 2025. Acrílica sobre tela, 20 x 20 cm;

3) Hilda de Paulo, Como vai você, Sr. Curador?, 2025. Biombo com oito fotografias (42,2 x 59,5 cm cada), 168,8 x 165 cm aprox.;

4) Hilda de Paulo, Hilda de Paulo (Sapatos), 2021. Objeto-pintura, 58 x 28 x 9 cm. Edição: 1;

5) Hilda de Paulo, contei uma piada / toda a gente ficou séria / só Hilda Hilst riu, 2025. Letreiro confeccionado em MDF 15 mm com recorte especial e pintura automotiva, 150 x 37 cm;

6) Anita Malfatti, Árvore Amarela, déc. de 50. Aquarela sobre papel, 17 x 13 cm | Hilda de Paulo, 75 anos depois, homem é detido suspeito de provocar incêndio com isqueiro (Depois de Anita Malfatti), 2025. Acrílica sobre tela, 17 x 13 cm.

 

FICHA TÉCNICA

Hilda de Paulo: Como vai você, Sr. Curador? | Galeria Retina, São Paulo-SP, Brasil | Curadoria e texto: Maíra Freitas | Montagem: x | Fotografia: Estúdio em Obra | Assessoria de Imprensa: Angelo Miguel | Agradecimentos: Andrea Oliveira, Angelo Miguel, Art Prime Design, Cia dos Fermentados, Leika Morishita, Lúcia Helena, Maíra Freitas, Marcos Pais, Marina Schiesari, Suzana Queiroga e Tales Frey | 29 de novembro a 20 de dezembro de 2025

 

Clipping

dasartes, 19 de novembro de 2025