Tales Frey

“Impressões de Quem Esteve Próxima: Um Relato das Reflexões Suscitadas pela Performance ‘Proxim(a)idade’, de Tales Frey”, Por Ana Cristina Joaquim (2015)

 

Este texto de Ana Cristina Joaquim foi publicado em: Sotaques (Março de 2015).

 

Quão próximos estamos da morte? A quantos passos e conforme que velocidade ela caminha em nossa direção? Varia a velocidade? À distância de um despenhadeiro? De um país longínquo ou de um avião que sobrevoa o atlântico no trajeto LIX-GRU? À distância do hospital mais próximo coberto pelo plano de saúde que mensalmente nos previne de males tais?

Sobre a proximidade ou vizinhança em relação à morte só é possível falar de duas maneiras: ou em retrospecto, isto é, por meio da distância que nos empurra, segundo a segundo (com horas, dias, meses e anos mensuráveis), para mais longe do dia do nosso nascimento; ou em prospecto simbólico – e é nesse sentido que nos inquieta o título escolhido por Tales Frey para a performance elaborada em ocasião do seu trigésimo primeiro aniversário: Proxim(a)idade. Inquieta justamente por tornar evidente a proximidade progressiva da morte a cada próxima idade completada. É de tempo que se trata, portanto. Se digo prospecto, o termo ecoa temporal: a morte, não estando no passado nem no presente, só pode estar no futuro. Mais além, se digo simbólico, digo por acreditar que apenas simbolicamente é que podemos nos situar mais ou menos próximos da morte, pois não é a morte uma ideia vaga e fugidia, da qual só temos notícia pela via negativa? Experiência da ausência: o outro que já não está. A morte é símbolo – afirmo – e assim o é sempre que tivermos em vista a vida como alvo, o medo como foco, a dúvida como permanência, o corpo como limite.

Convém, enfim, tomar como eixo este que é presença & existência (no presente, claro, único tempo que nos resta): o corpo, ele mesmo eixo de qualquer ação performática. Conforme as palavras do performer Tales Frey: “uso meu corpo como campo simbólico para converter signos que marcam o ritual de passagem do meu aniversário em anúncios da proximidade com a minha morte”. Com a finalidade de se “transformar em uma espécie de múmia, com a forma de um defunto”, o performer concebe o ato como “uma espécie de funeral, em que os observadores pudessem conversar, beber e comer, enquanto contemplassem meu [seu] corpo quase inerte no espaço”: daí a proxim(a)idade pela qual a morte se apresenta ao público.

Tales Frey permanece deitado por três horas, com o corpo quase todo enrolado em fitas coloridas (com a exceção da cabeça, que está coberta por confeitos, cremes de bolo, granulados e balas de goma coloridas) e preso a balões de hélio pela cintura, na altura do umbigo, “como se quisesse fazê-lo [o corpo] ascender”. Novamente os signos se confundem, num procedimento que dilui o jogo de oposições: do corpo-bolo ao corpo-múmia, das cores diversas (celebração da vida) à imobilidade (sintoma de mortificação); os balões coloridos – característicos das festas de aniversário em que se comemoram o nascimento – são o elo de maior impacto visual entre vida e morte, já que apontam para o céu, destino mítico do espírito destituído de corpo. Acontece, entretanto, uma inversão de maior importância, que recoloca o corpo no centro da questão vida/morte: a simbologia implicada nos balões torneando a cintura incide propriamente sobre o corpo, de modo que não se trata do espírito em ascensão, mas do corpo mesmo, matéria ascendente carregada pelos balões em número coincidente com a idade do performer.

Algumas palavras ainda, palavras, aliás, com que somos embalados no decorrer da performance: em off, a voz de Tales Frey levemente distorcida para o grave, repetindo, por 3 horas seguidas, fragmentos de lembranças de aniversários precedentes em mescla com reflexões sobre a morte. Ouvimos: “Vermes nos doces”… “Acender velas. Ascender. Subir”… “Tenho todos os anos. tenho todos espelhos”… “Urna. Caixão. Saudável”… “Natureza morta”… etc. etc. etc.

Trata-se mesmo de uma identidade (vide a figura do espelho) que se persegue no entretempo entre vida e morte, com as duas palavras a ressoar repetidas nas figurações imagéticas ali propostas, como uma espécie de redemoinho cronológico em que o ponto de princípio é também o ponto de chegada.

Venham ver a morte encarnada, está ao alcance dos olhos, da escuta, do toque, do olfato (odor adocicado, sedutor…) e, por que não, do paladar: aproximem-se!