Exposição Provador (2024), de Tales Frey. Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal. Fotografia de Bruno Lança/ArtWorks
Os saberes dominantes são derrubados […] como desmaia um corpo que se deixa beijar até a mordida de uma amante vampira.
Paul B. Preciado
Tales Frey prova sapatos de salto alto. Como exercício artístico e modo de vida, o artista subverte os códigos – ou os roteiros culturais que dialogam com o imaginário social – da masculinidade e da feminilidade – e também das práticas sexuais – em suas icônicas e emblemáticas (re)construções queer para questionar a ação das disciplinas dominantes de normalização que produzem e impõem formas específicas de subjetivação na ficção política encarnada que somos – mesmo nos deixando vistas por vezes em estado de tensão, indispostas, enfurecidas e destituídas por conta de não pertencermos à norma. Com o percurso multifacetado de quase duas décadas, Frey reafirma, antes de tudo, uma forma muito própria sua de se articular no espaço da criação, em que se sucede e se justapõe o seu corpo como material primário – potência política de vida – em múltiplas mídias, desde os vídeos e fotografias às esculturas cinéticas, performances, desenhos, indumentos e instalações.
Em Provador, o gesto fabulatório do artista contesta o que é tido por normal, natural e verdadeiro dentro do ordenamento cisheteropatriarcal do nosso dia a dia, mostrando que a dimensão dispositiva da vida não é somente resultado dos efeitos discursivos sobre o sexo-gênero-desejo, e ressalta, assim, a potência política transformadora de determinados corpos e identidades que são lidos cotidianamente como “anormais” e atravessados constantemente pela cansativa regulação normativa. Por isso, é importante localizar que o sujeito-artista de enunciação é uma bicha, porque parte da imagem e consciência de seu corpo para produzir formas de representação queer solo ou em conjunto com outros corpos de múltiplos outros marcadores identitários, e não é à toa que vemos nos muitos registros documentais de suas performances algumas pessoas da audiência se sentindo autorizadas quase sempre a interpelar explicitamente o(s) corpo(s) do(s) artista(s) numa tentativa de corrigi-lo(s), como é o caso do espectador quase queimando com um isqueiro a bunda do artista em Por Favor, Não Tocar (2015) em Portugal, bem como o dos homens profetizando e ameaçando dar um soco na dupla de performers durante a apresentação de Be (On) You (2016) no México, e o do transeunte querendo dar um tiro nos cinco performers em O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – Variante I (2018) no Brasil, entre outros exemplos.
Na sala de exposição do Maus Hábitos, o salto alto é reapropriado pelo artista como reviravolta epistemológica na videoperformance Il Faut Souffrir pour Être Belle (2018), na documentação da performance Calçado (2024), no desenho Passo III (2024) e na escultura Stiletto Dance (2024). Em síntese, essas metáforas queer evocadas por Frey – juntamente com a intervenção de parede Transbordamento (2024) – respondem às diversas questões que emergem do nosso tempo, servindo como instrumento basilar de conceitualização de outras formas de organização dos corpos e de suas práticas sociais, bem como de ferramenta teórica para compreender a construção social e a fabricação histórica e cultural das diferenças diante da tal suposta verdade ontológica.
Hilda de Paulo
OBRAS
1) Tales Frey, Il Faut Souffrir pour Être Belle, 2018. Videoperformance, 2’03”;
2) Tales Frey, Stiletto Dance, 2024. Escultura;
3) Tales Frey, Transbordamento, 2024. Intervenção sobre parede;
4) Tales Frey, Passo III, 2024. Desenho;
5) Tales Frey, Calçado, 2024. Colagem.
PROGRAMAÇÃO PARALELA
20 de abril de 2024, 15h | 5º andar
Sessão de vídeos “Quebrar Normas é a Norma da Performance”, com Tales Frey
O artista apresenta uma série de vídeos de trabalhos autorais que documentam ações ao vivo, tendo como tema central a quebra de padrões sociais.
04 de maio de 2024, 18h | Sala de exposições
Visita Guiada com o artista Tales Frey e a curadora Hilda de Paulo
A partir das obras da exposição, o artista e a curadora apresentam um diálogo que comenta os diferentes processos criativos dos trabalhos expostos.
Exposição Provador (2024), de Tales Frey. Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal. Fotografias de Carlos Campos
CLIPPING
Glam Magazine, 03 de abril 2024
FICHA TÉCNICA
Tales Frey: Provador | Curadoria de Hilda de Paulo | Programação e Gestão: Saco Azul – Associação Cultural | Produção: Daniel Pires e Daniel Amorim | Apoios: ArtWorks, Concurso Anual de Apoio à Criação Criatório 2023/Câmara Municipal do Porto e Bondhabits | Fotografia: Bruno Lança/ArtWorks e Carlos Campos | Gestão de Conteúdos Digitais e Comunicação: Luís Masquete | Assessoria de Imprensa: Luís Masquete | Design: Simão Martinez | Montagem: Alexandre Simões | Limpeza: Manuela Pinto | Organização e Direção Artística: Saco Azul & Maus Hábitos