“Tão só (n)o Fim”, de Camila Alexandrini (2019)

 

Este texto de Camila Alexandrini foi publicado em: ALEXANDRINI, Camila. Tão só o Fim do Mundo: Folheto. Guimarães, Portugal: [s.n.], Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, 2019.

 

Na época da criação deste texto, Hilda de Paulo ainda era conhecida por Paulo Aureliano da Mata. A artista começou sua transição de gênero em 2020, mudando de nome nesse mesmo ano.

 

Tão só (n)o Fim

alguma palavra [performance] de Camila Alexandrini para Paulo Aureliano da Mata

 

É o Paulo José Almeida Lopes.

Ele é o Paulo da Mata.

Paulo Vila Verde, o Aureliano.

É o Páll Jónsson.

Eu, Da Mata

 

Sente. É a pele que brota de si, vai nascendo feito tecido a cobrir ser que não existe.

Persistente. Desenha o corpo que, em labirinto, se esconde.

Projeção temporária, construção em devir.

            Corpo de pele áspera, pelos grossos, pélvis contraída. O olhar que percorre esse corpo interroga-se o tempo todo e a todo tempo.

Desconstruir é sua tarefa. Uma verdadeira revolução de si. Contrarrevolução.

         O sexo brota junto com a pele, e o corpo escapa, corre, violenta a ordem da sexualidade.

Depois do fim, antes do começo, não há outro senão outro-si. Não o mesmo, disparate da identidade, da existência. Registro perdido entre outros documentos inventados.

               Buscando retomar sua força vital, corta a pele que já brotou, costura outra e caminha com ela para elaborar seu movimento.

De tudo isso, um membro. Uma parte-toda do corpo, não se deixa corporificar para não perder o ritmo da dança.

Dança.

Esta talvez seja sua luta diária. Dançar para que não o persigam com suas palavras.

Dançar para que não seja inválido. Todo gesto de si é contrabando entre fronteiras orgânicas e desorganizadas.

             Eu. Eu e as mortes de si. Eu e o pavor diante da morte. Abismo da intolerância.

        Não sabe o porquê. Mas investiga com a palavra-corpo que habita sua cabeça. E os demais órgãos reviram-se, revoltados.

                Toda pele é tecido; todo corpo, uma máquina de guerra; todo eu, uma construção da ação; todo elo, uma marca na memória.

Não quer se escrever, quer agir. Escrita de loucos.

                                                                     De onde vem? Dizem que nasce e assim é vítima.

Endereçado ao tão só o fim de si. O mundo-todo.

A paisagem está borrada, uma bio-grafia? Uma trans-performance.

Ato final. Morte enunciada. Não será esse o final do ato.

Percorre o corpo. Ele tudo pode.

Desde que não falte. Deságua, desarma,

des-mata.

[“Quem agora falará por mim?”]

– a dobra.