“Coração Travesti”, de Maíra Freitas (2022)

 

Este texto de Maíra Freitas foi publicado em: FREITAS, Maíra. “Coração Travesti”. Coração Travesti: Folheto. Porto, Portugal: [s.n.], Projeto KUBIKULO, Kubikgallery, 2022.

 

Hilda de Paulo na exposição “Coração Travesti” nos apresenta uma inflexão transfeminista que atualiza e problematiza determinada concepção do universo feminino, atravessada por duas temporalidades: a da subjetividade e a da legibilidade social. Os “Sapatos” vermelhos de salto são as bases que sustentam vergalhões, um canteiro de obras onde se torna possível construir uma corpa em toda sua complexidade. A lata de alimento de preparo instantâneo da “Amante Ideal” apresenta uma releitura crítica da obra de Emília Nadal, “A Esposa Ideal” (1977), e elabora a leitura social e imediatista de corpas dissidentes de gênero. O poema de Hilda de Paulo alinhava as duas imagens-tempo com a pergunta sobre como se constrói o amor na vivência travesti. À corpa que os sapatos sustêm é dada a possibilidade de afeto e construção relacional dentro de sociedades cisheteronormativas?

Ademais, Hilda de Paulo reverencia os escritos de Camila Sosa Villada em “O Parque das Irmãs Magníficas”, expondo no projeto Kubikulo, da Kubikgallery, seu coração travesti: “uma flor da selva, uma flor inchada de veneno, vermelha, as pétalas de carne.” Essa flor de carne exposta indaga às passantes: se somos ficções políticas encarnadas, se o gênero é construção social, se antes de ser, estamos; posso eu também existir? O coração travesti vinga, na dupla acepção da palavra: sobrevive e cobra reparação. Que possamos ouvir a percussão desse coração que vibra, vive, sente e generosamente nos recorda que estamos todas nos construindo no canteiro de obras que é o corpo no mundo.

 

Maíra Freitas

artista, curadora e pesquisadora