SILVA, Paulo Ricardo; GARRIDO, Nelson. “Nos ‘contraquiosques’ contam-se histórias dos mais esquecidos de Braga”. Público, 27 de maio de 2025.
Em plena Praça da Justiça, entre o Tribunal Judicial de Braga e o centro distrital da Segurança Social, uns degraus coloridos em rosa choque fazem o quiosque sobressair na paisagem urbana. A pequena e peculiar estrutura, implantada estrategicamente no passeio, na zona de travessia pedonal entre duas passadeiras movimentadas, ainda beneficia da localização privilegiada da sua função primordial. Mas já não é um ponto de paragem frequente para transeuntes apressados que ali compravam o jornal ou o tabaco. Isso já não passa de uma memória. O desactivado quiosque serve agora um outro desígnio. Em vez de albergar as notícias do dia, transformou-se num “minimuseu” ao ar livre, cujo acervo põe em evidência problemáticas sociais da actualidade.
Partilhando o cenário com uma parede onde se podem ler grafitadas as palavras “revolução feminista já”, a artista Hilda de Paulo explora a dualidade da existência na comunidade trans, através de um quiosque onde exibe pequenos objectos em tons de rebuçado, quase como brinquedos de criança, que só um olhar mais atento permite descodificar os detalhes que remetem para o seu doloroso legado: nuvens adornadas com lâminas, pedras com pensos rápidos da Hello Kitty, estilhaços de vidro em forma de coração. É pop e divertido, mas sempre com travo de perigo à mistura.
Dias depois da decisão do Supremo Tribunal britânico sobre as mulheres trans, não é por acaso que este quiosque tenha sido idealizado para esta localização específica, ensanduichado entre duas instituições que representam o “apagamento” administrativo da comunidade trans em Portugal, levando a artista a efabular um arquivo possível, que navega entre a “fúria” e a “celebração”.