Tales Frey

“Três perguntas a… Tales Frey”, por Mariana Monteiro (2019)

 

Esta entrevista de Mariana Monteiro foi publicada em: TimeOut Port (11 de novembro de 2019).

 

Em 2018, Tales Frey assinou a curadoria de Adorno Político, exposição em que vários artistas brasileiros, donos de “corpos ditos dissidentes”, se apresentavam ao mundo “por meio de indumentos ou de adornos feitos directamente sobre a pele”. Agora, o artista e curador brasileiro regressa ao Maus Hábitos, a convite da Saco Azul – Associação Cultural, com Aparelho. A exposição inaugura a 14 de novembro de 2019 e deve o nome ao “local onde, durante o período ditatorial brasileiro (1964-1985), grupos de activistas contrários ao governo da época se agrupavam para organizar reuniões”. A partir do paralelo com o presente, Tales Frey reúne 18 artistas-activistas cujos trabalhos reflectem a oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Aparelho pode ser vista até 30 de dezembro e conta com um programa paralelo que inclui conversas, performances ou filmes.

 

MARIANA MONTEIRO: De que forma é que esta exposição é uma continuidade de Adorno Político?

 

TALES FREY: Em ambas as exposições, eu reuni artistas que utilizam o próprio corpo como veículo e como suporte do trabalho artístico. Alguns são apresentados por meio de desdobramentos ou de performances ao vivo, todos são actuantes da performance ou usam a performatividade nas produções, nos objectos ou nos vídeos. Adorno Político tratava de uma coisa mais genérica, agora eu adentrei um pouco e fui a fundo na questão política brasileira por conta da situação actual.

 

MARIANA MONTEIRO: Quem são os artistas representados e que tipo de trabalhos trazem?

 

TALES FREY: Todos os artistas em exposição são activistas. A estética é política e a política é estética, é uma reciprocidade inseparável; por mais que ela não se afirme política, o não se afirmar político já é um gesto político. Todos os artistas apresentam as suas existências como modo de resistência numa perspectiva multidisciplinar. Por exemplo, Paulo Aureliano da Mata propõe uma dança como um gesto revolucionário, Pêdra Costa faz a mesma coisa, só que com música e movimento… Através de algo lúdico, eles conseguem falar sobre assuntos sérios e fazer com que o público esteja integralmente presente, vivenciando o tal discurso. Por outro lado, o Sama e a DUDX utilizam ícones capitalistas, o trabalho da DUDX é o destaque para divulgação.

 

MARIANA MONTEIRO: Esta exposição seria alvo de censura se acontecesse no Brasil?

 

TALES FREY: Possivelmente, tendo em conta a actual conjuntura. E o facto de trazer a exposição aqui talvez seja interessante por essa razão. Denuncia algo que lá a gente não tenha tanta liberdade para fazer. Fazer isso do lado de cá é pegar numa comunidade de brasileiros e fazer um alerta para o resto da sociedade. Na verdade, eu sou bem optimista, eu acho que esse movimento fascista é uma resposta ao avanço. A resposta é violenta, porque o avanço foi grande, acredito que é um retrocesso, claro, mas outros maiores virão. Essa resistência tem aumentado, pessoas que antes nem pensavam sobre isso, agora se vêm obrigadas. E assim a História se faz.