Tales Frey

Vestido (2014-15)

 

Tales Frey, Vestido, 2014-15. Fotografias, 120 x 56,6 cm. Edição: 6 + 2 P.A.

Edição 1/6 + 2 P.A. pertence ao Museu Serralves, Porto, Portugal

 

O trabalho foi concebido a partir de uma performance realizada em quatro etapas: dia 20 de outubro de 2014 e dias 14, 15 e 19 de maio de 2015, sendo que a ação funciona como um estudo sociopolítico específico, cujo ambiente corresponde a uma mesma via de dois nomes da cidade do Porto, situada entre a Torre dos Clérigos e a igreja de Santo Ildefonso.

O título deste trabalho remete tanto ao objeto de estudo, o vestido (adorno considerado feminino em uma cultura heterocentrada), quanto à pessoa do gênero masculino que se encontra coberta por um traje, vestida ou agasalhada por algum indumento.

A regra estabelecida foi que, ao conseguir provar cada vestido, faria um autorretrato (selfie) com o traje diante do espelho e, caso não conseguisse realizar o meu objetivo, fotografaria o vestido exposto na vitrine.

Através de um celular, captei áudio (que serviu unicamente como objeto de análise) e as fotografias que compõem o dispositivo final.

 

VESTIDO 1

20/10/2014

Rua dos Clérigos, n. 70

Porto, Portugal

O primeiro alvo para principiar este projeto foi uma loja especializada em trajes de casamento, onde ocorreu a experiência inicial da performance O Outro Beijo no Asfalto em janeiro de 2009 mesmo antes de existir este estabelecimento, o qual coincidentemente foi aberto na mesma localidade da ação referida da série Beijos.

Nesta loja, consegui tranquilamente provar o vestido.

Para confirmar o posicionamento completamente equilibrado da lojista diante da situação, ao invés de a atendente perguntar a mim coisas como “é para teatro?” ou “para qual finalidade você quer o vestido?”, a pergunta dirigida a mim foi: “qual é a data do casamento?” Então eu é que fiquei desconcertado e improvisei uma rápida resposta.

 

VESTIDO 2

14/05/2015 e 15/05/2015

Rua dos Clérigos, n. 18

Porto, Portugal

Nesta segunda experiência, consegui provar o vestido.

A lojista revelou certo desconforto com relação ao rompimento de uma norma binária/heteronormativa quando eu disse que queria provar o vestido da montra. Mesmo tendo ouvido a palavra “vestido”, ela respondeu imediatamente com uma pergunta a mim: “de noivo?” Depois, percebendo que o vestido era para mim, sem conseguir assimilar bem o caso, ela perguntou: “Onde é que está a menina?”

Na minha conduta, observo dois deslizes. Quando ela me perguntou “de noivo?”, eu respondi “o de noiva; o vestido”, quando deveria ter dito simplesmente “o vestido”, sem atribuir um gênero correspondente ao objeto de interesse. Quando a lojista perguntou “onde é que está a menina?”, eu deveria simplesmente ter dito que não havia nenhuma menina e que era eu quem queria provar o vestido.

A funcionária disse que eu deveria aguardar ou voltar num outro dia.

Retornei às 10h do dia 15 de maio de 2015 e consegui provar o vestido. A funcionária dizia muitas vezes que modelo sem alça não poderia ser, uma vez que não tenho seios.

 

VESTIDO 3

14/05/2015 e 19/05/2015

Rua 31 de Janeiro, n. 229

Porto, Portugal

Nesta terceira loja, não consegui provar o vestido.

A primeira maneira de o lojista impedir que eu vestisse o traje foi revelando o preço do mesmo: 3.400€. Percebo, nessa estratégia, uma maneira preconceituosa de me julgar impossibilitado de pagar tal preço. Insistindo, indaguei se podia provar o vestido e, então, o lojista disse: “Não. Tem que ser com autorização, tem que ser com marcação prévia etc.”. Ainda persistindo, perguntei se poderia fazer a tal marcação e outra atendente não conseguiu evitar: marquei uma prova para 19/05/2015 às 10 horas.

Retornei à loja com certo atraso e, então, este acabou por ser o pretexto categórico para a funcionária me dizer “lamento, o vestido já foi vendido”.

 

VESTIDO 4

14/05/2015

Rua 31 de Janeiro, n. 118

Porto, Portugal

Nesta quarta loja, não consegui provar o vestido.

Perguntei: “eu poderia provar um vestido destes da montra?” “É para o senhor?”, perguntou o lojista. Quando manifestei um “sim”, ele respondeu decidido: “Não. Nós não…” (pausa à procura de argumento.) “É… A loja… A marca não permite que homens vistam vestidos de noiva. Peço imensas desculpas”.

 

VESTIDO 5

14/05/2015 e 15/05/2015

Rua 31 de Janeiro, n. 175

Porto, Portugal

Nesta quinta loja, consegui provar o vestido, mas não pude fazer o autorretrato; havia um anúncio no espelho a informar a proibição e a funcionária frisou essa condição.

“Eu posso provar o vestido da montra?”, perguntei. A lojista respondeu: “Provar como?” Expliquei: “Vestir o vestido”. Ela: “O senhor?” Eu: “Sim… Sim. Eu queria experimentá-lo”. Intrigada, ela perguntou: “Por quê?” Respondi: “Porque eu vou me casar”. Ela (sem entender.): “Ah… Vai se casar…” Ela: “Mas não é normal isso”. Desconcertada, ela tenta driblar seu próprio preconceito e diz coisas confusas: “Nada. Tudo bem. Contra isso nada”. Então, ela volta a observar: “Mas não é normal”. Então, eu a questiono: “Como? Não é comum?” Ela então começa a relaxar e até finge achar tudo “normal”. Por fim, de forma desajeitada, usa o vocativo “santa” para dirigir-se a mim como forma de mostrar que é aberta à situação. Passada a tensão, combinamos a prova do vestido para 15/05/2015.

Retornei à loja e fui atendido por duas mulheres, sendo que uma parecia estar completamente à vontade e a outra (a mesma do dia anterior) fazia bastante esforço para parecer estar confortável diante da situação e falava muito e, repetidas vezes, dizia para eu me sentir à vontade. Para sondar quem se casaria comigo, ela perguntou se o meu parceiro usaria um fato. Eu inventei que ele usaria também um vestido.

 

VESTIDO 6

19/05/2015

Rua dos Clérigos, n. 61

Porto, Portugal

Nesta sexta loja escolhida, consegui provar o vestido.

O arremate dessa experiência foi tão positivo quanto a primeira; fui recepcionado com a maior naturalidade e a funcionária retirou o vestido da montra para eu provar sem questionar nada. Vesti o traje e deixei a loja em menos de nove minutos sem ter que dar muitas explicações. Esqueci meus óculos e voltei para buscá-los.

 

HISTÓRICO

[2022] Exposição coletiva O Paraíso dos Marrecos. Fonte, São Paulo-SP, Brasil.

[2022] Exposição individual Lucy e Lucifer e outros Deboches. CAOS | casa d’artes e ofícios, Viseu, Portugal.

[2021] O Que Pode Um Corpo? SP-Arte 365 e Galeria Verve, São Paulo-SP, Brasil.

[2019] Exposição coletiva Melhor Ser Filho da Outra. Curadoria de Clarissa Diniz e Danillo Villa. Arte Londrina 7, Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil.

[2018] Exposição coletiva Faça Você Mesm_ – Um Guia de Leitura (1/20). Curadoria de Alexandre Sá. A MESA, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

[2017] Exposição coletiva Ser ou Não Ser… Eis a Questão!? Curadoria de José Rosinhas. II Bienal Internacional de Arte Gaia 2017, Vila Nova de Gaia, Portugal.

[2017] XIX Bienal Internacional de Arte de Cerveira: Da Pop Arte às Trans-vanguardas. Vila Nova de Cerveira, Portugal.

[2016] Exposição coletiva My Body is a Cage. Curadoria de Raphael Fonseca. Galeria Luciana Caravello, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

[2016] II Colóquio de Estudantes de Mestrado e Doutoramento em Estudos Feministas. Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.

[2016] Exposição coletiva Em Estado de Guerra. Organização e curadoria de Hilda de Paulo e Tales Frey. Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra, Portugal.

[2015] Exposição coletiva (Tra)vestir um fa(c)to. Curadoria de José Maia. Espaço MIRA, Porto, Portugal.

 

Exposição (Tra)vestir um fa(c)to (2015), de Hilda de Paulo/Paulo Aureliano e Tales Frey, com curadoria de José Maia. Espaço MIRA, Porto, Portugal. Fotografia de Patrícia Barbosa/ Espaço MIRA

 

Vestido (2015) e Estar a Par (2017), de Tales Frey na XIX Bienal Internacional de Arte de Cerveira: Da Pop Arte às Trans-vanguardas. Vila Nova de Cerveira, Portugal, 2017. Fotografia de Helena Ferreira