Sabemos que o corpo é cada vez mais idealizado pela sociedade de consumo, onde há uma supervalorização da forma e do prazer correspondentes aos moldes fornecidos por um poder hegemônico que, embora seja cada vez mais questionado, adestra-o às normas ainda vigentes, priorizando um sistema já viciado numa heteronormatividade compulsória, num sexismo inflexível e num nefasto projeto colonialista.
Adorno Político reúne subjetividades que compreendem o mundo e que transformam as suas próprias conjunturas por meio dos adornos/indumentos com intuito de promoverem a desestabilização de todos os outros corpos na sociedade, acionando as emoções e a percepção de um sistema social, recusando uma vida homogeneizada em uma massa tão neutralizada pela ditadura dos padrões estéticos e comportamentais.
Tendo a consciência de que “o abandono do pensamento político pelo mundo da arte é uma catástrofe” [1], através de trabalhos que testam limites corporais, que se materializam na autorrepresentação (fidedigna ou não) ou que se sustentam num sarcasmo corrosivo, reunimos esse conjunto de artistas do Brasil – que operam através da performance, body art e dos seus desdobramentos em objetos, fotos e vídeos – para levantarmos uma ideia central por meio de suas proposições que têm o adorno corporal como um elemento de proeminência e de discurso altamente politizado: como podemos viver em harmonia em uma sociedade formada por singularidades tão distintas?
A política é a arte de assegurar uma unidade formada por diferenças em reconhecimentos recíprocos, em respeito acima da tolerância e, nesse sentido, propusemos trançar relações entre a audiência e as obras, integrando vivências díspares por meio da participação e do embate, apresentando situações em que, por exemplo, todas e todos da audiência saiam ornadas(os) de maneira uniformizada, mas não necessariamente correspondentes aos preceitos sociais e, assim, a reflexão passa a ser direta por meio da própria vivência em uma nova roupagem, a qual apresentada no contexto social, pode gerar conforto ou desconforto, suscitando a autorregulação/desregulação bem como a (des)regulação do outro. Em obras não participativas, são apresentadas justamente as conformações tidas por “exóticas” num contexto normalizante, onde a tatuagem não convencional, a intervenção cirúrgica e o traje ou objeto/acessório despertam a transformação do pensar sobre o outro.
Sabendo que as atuais armas do capitalismo são estéticas e que inegavelmente estamos inseridos no que Deleuze nomeou por “sociedades de controle”, assistimos ao senso-comum submisso aos condicionamentos ditados pelo marketing, reproduzindo as mesmas formas manjadas e condenando tudo o que não se encaixa em tal configuração que prioriza as peles claras, físicos magros e malhados, dentes exageradamente brancos e uma felicidade tão fabricada que chega a ser patológica. Adorno Político sugere um contraponto direto com essa norma alienante ao reunir conjecturas artísticas que se apropriam dos tais códigos já tão normalizados para subvertê-los e, estrategicamente, buscar a aniquilação dos mesmos, implicando na libertação dos corpos que ainda permanecem des-singularizados.
NOTA
[1] STIEGLER, Bernard. Da Miséria Simbólica: I. A Era Hiperindustrial. Lisboa: Orfeu Negro, 2018, p. 17.
Tales Frey
curador
ARTISTAS PARTICIPANTES
André Parente, Andressa Cantergiani, Élle de Bernardini, Gal Oppido, Joana Bueno, Lenora de Barros, Letícia Parente, Lyz Parayzo, Marcela Tiboni, Nino Cais, Priscilla Davanzo, Rafael Bqueer, Renan Marcondes, Suelen Calonga e Tiago Sant’Ana
Exposição Adorno Político (2018) com curadoria de Tales Frey. Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal. Fotografias de José Caldeira
Videorregistro da abertura da exposição coletiva Adorno Político por Tânia Dinis. Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal, 2018
Programa Paralelo da Exposição Aparelho
15 de novembro de 2018, às 21h30 | Sala de Exposições
Performance Manicure Política, de Lyz Parayzo
Manicure como proposta estética. Um salão é montado, o Salão Parayzo, e voluntários são convidados a pintar suas unhas apenas de rosa pela manicura. A manicura não quer só criar uma imagem a partir da repetição da ação de pintar unhas. A manicura é pintora e cria uma obra na casa-corpo. A cor se torna vírus, diminuto infeccioso que não tem capacidade metabólica autônoma, mas que ganha vida contra luz à performatividade do rosa. Leituras corporais são recriadas a partir da fusão da unha/cor.
Duração: aproximadamente 120 minutos
Lyz Parayzo, Manicure Política. Performance realizada no Porto, Portugal. Novembro de 2018. Fotografias de José Caldeira
15 de novembro de 2018, às 22h | Sala de Exposições
Performance Pour Être Une Seductrice, de Priscilla Davanzo
Acontecimento performático que propõe um novo desenho para o corpo humano, propondo a integração de vestimentas no corpo, como um único corpo integrado. A meia 7/8 é desprendida da liga e presa diretamente nas coxas, a partir do procedimento de sutura.
Duração: aproximadamente 10 minutos
Priscilla Davanzo, Pour Être Une Seductrice. Performance realizada no Porto, Portugal. Novembro de 2018. Fotografias de José Caldeira
17 de novembro de 2018, às 17h | Sala de Espetáculos
Conversa-performance A Vênus de Cor com Lyz Parayzo + Exibição do Minidocumentário PARAYZO (2017), de Clara Balbi e Talita Barcelos
Nos últimos 12 anos o Brasil passou por uma transformação no seu sistema educacional. Se eu converso com meus amigos de cor dentro da Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro, aonde sou graduanda no curso de teatro, chegamos sempre a um denominador comum. Grande parte de nós é a primeira geração de nossas famílias a estar em um curso de graduação. Esta chance ao acesso no último país do mundo a abolir a escravidão, que não escravizou só negros retintos, mas pessoas mulatas como eu ou pessoas de cor se quisermos conscientizar nossas falas quanto as nossas heranças racistas e despolarizar uma discussão dentro do sistema binário negro x branco, interferiu diretamente na produção artística na primeira década dos anos 2000 . As mulatas de peito de fora de Di Cavalcanti não são mais só imagens estáticas. Elas em 2017 estão vivas para além da construção imagética dada a elas por homens artistas durante o século XX. Estão andando, pensando e gritando. Tem ainda como herança o trabalho dobrado, pois , para reconstruírem suas próprias narrativas em seu novo lugar de poder tem de gingar com estado de coloniedade, ou seja, as atualizações da colônia que insistem em coloca-las em seus devidos lugares. Eu sou essa híbrida de cor.
Duração: aproximadamente 60 minutos
– Exibição do minidocumentário PARAYZO (2017), de Clara Balbi e Talita Barcelos. Duração: 10’32’’
Conversa-performance A Vênus de Cor com Lyz Parayzo inserida na programação paralela da exposição coletiva Adorno Político (2018). Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal
24 de novembro de 2018, às 17h | Sala de Espetáculos
Conversa-performance Um Corpo pra Chamar de Meu com Priscilla Davanzo + Exibição do Minidocumentário Geotomia (2000), de Marcelo Garcia
A importância da consciência de um próprio corpo, autônomo e independente, da necessidade de – para além dos deveres – direitos legais com relação a esse corpo. É preciso contar com muito mais que nossos próprios culhões e objetivos, com muito mais que a potência da nossa própria voz. Colocar o nosso corpo à frente simultaneamente como um escudo e uma arma, como uma afronta e um questionamento. Um corpo, uma pessoa, um ser humano.
Duração: aproximadamente 60 minutos
-> Exibição do documentário Geotomia (2000), de Marcelo Garcia. Duração: 19’02”
FICHA TÉCNICA
VáriXs Artistas: Adorno Político | Curadoria e Texto: Tales Frey | Artistas: André Parente, Andressa Cantergiani, Élle de Bernardini, Gal Oppido, Joana Bueno, Lenora de Barros, Letícia Parente, Lyz Parayzo, Marcela Tiboni, Nino Cais, Priscilla Davanzo, Rafael Bqueer, Renan Marcondes, Suelen Calonga e Tiago Sant’Ana | Direção de Produção: Mariana Vitale | Assistência de Produção: Catarina Rangel Pereira | Montagem: Kiko Richard | Limpeza: Manuela Pinto | Gestão de Conteúdos Digitais: Mariana Oliveira | Comunicação: Catarina Rangel Pereira e Mariana Vitale | Design Gráfico: Combonation | Impressão: Lumen | Assessoria de Imprensa: Sara Cunha | Fotografia: José Caldeira | Registo Audiovisual: Tânia Dinis | Colaboração: João Abreu, José Pedro, Luis Salgado e Rui Mascarenhas | Organização: Saco Azul e Maus Hábitos | Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos, Porto, Portugal | 15 de novembro a 20 de janeiro de 2018
Clipping
O Vigilante, 3 de janeiro de 2019
dezanove, 14 de novembro de 2018
Vídeo promocional da exposição coletiva Adorno Político (2018)
Cartazes e flyer da exposição coletiva Adorno Político (2018)
Divulgação para Instagram da exposição coletiva Adorno Político (2018)