Tales Frey

(Tra)vestir um Fa(c)to (2015)

 

Tales Frey, Reciprocidade Desalmada. Performance realizada na cidade do Porto, Portugal. Maio de 2015. Fotografia de Patrícia Barbosa/ Espaço MIRA; Tales Frey, Reciprocidade Desalmada – Instalação, 2015. Seis espelhos, 60 x 40 cm cada

 

Travestir-se ou vestir-se? De facto, há restrições sobre o uso de um determinado fato; ele pode funcionar como um mero adorno ou como um completo transtorno para uma sociedade ainda amparada por normas sistematicamente machistas/sexistas, heteronormativas/binárias, seja de forma radical ou branda. Sobre o corpo e através dele, (tra)vestimo-nos de políticas para abandonarmos os fardos tão pesados, ultrapassados e politicamente incorretos como são hoje os casacos de pele. Queremos trajes leves e os feitos de peles literalmente ou metaforicamente arrancadas sem escrúpulos para nos cobrir de tantas condições enfadonhas. Rogamos por liberdade e não por compostura. O adorno corporal, segundo consta em pesquisas antropológicas, antes de servir para ocultar a nudez por proteção ou pudor, vinha enfeitar, extravasar o que não precisava permanecer enclausurado no sujeito, exibia-se como transbordamento do “self”. Com (Tra)vestir um Fa(c)to, (tra)vestimos de contexto-contestador o que ainda é anunciado como parêntese em nossas existências e não inserido livre e solto em grande parte dos discursos vigentes.

 

(Tra)vestir um Fa(c)to é uma exposição composta por trabalhos de vídeo, instalação e fotografia. O corpo, o gênero e os regimes de normalização atuam como cerne principal do conceito discursivo concebido sob o intuito de reunir criações de Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey datadas entre 2006 e 2015.

Ao vivo, a performance Reciprocidade Desalmada (2010-2015) circunscreve-se como marco inicial do evento.

Integrada à exposição, há ainda uma conversa com os artistas mediada por Silvestre Pestana.

 

FICHA TÉCNICA

Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey: (Tra)vestir um Fa(c)to | Curadoria: José Maia | Textos: André Masseno e Julia Pelison | Mediador: Silvestre Pestana | 23 de maio a 13 de junho de 2015 | Espaço MIRA, Porto, Portugal

 

Abertura da exposição (Tra)Vestir um Fa(c)to (2015), de Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey. Espaço MIRA, Porto, Portugal. Vídeo de Patrícia Barbosa/ Espaço MIRA

 

Tales Frey, Reciprocidade desalmada, 2015. Vídeo, 1’13”

 

Exposição (Tra)Vestir um Fa(c)to (2015), de Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey. Espaço MIRA, Porto, Portugal. Fotografias de Patrícia Barbosa/ Espaço MIRA

 

Silvestre Pestana conversa com Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey

 

Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata apresenta a obra Romance Violentado (2011) na exposição (Tra)Vestir um Fa(c)to (2015) no Espaço MIRA na cidade do Porto em Portugal

 

Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata apresenta a obra El Minotauro #3 (2014) na exposição (Tra)Vestir um Fa(c)to (2015) no Espaço MIRA na cidade do Porto em Portugal

 

Tales Frey apresenta a obra Entrar no Samba (2013) na exposição (Tra)Vestir um Fa(c)to (2015) no Espaço MIRA na cidade do Porto em Portugal

 

Cia. Excessos: À Dor, um Extraordinário Amor

Este texto de Thais Nepomuceno foi publicado em: artecapital.net (Junho de 2015).

 

Estrondos de tapas ardidos, sons de beijos incendiados, de gozos excitados, explicitando prazeres intensos, acesos, impetuosos. Ruídos de carros, burburinho de gente, agitação urbana, confusão, muita confusão. Esta é primeira sensação de quem adentra o Espaço MIRA para imergir na cacofonia sonora de (Tra)vestir um Fa(c)to, exposição da Cia. Excessos, de Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey.

A tal cacofonia sonora amontoa toda a série de trabalhos de vídeos autônomos que se conectam e formam um único áudio a preencher todo o espaço, algo que as documentações fotográficas e imagens em movimento também fazem, assim como as vidas dos artistas que ali estão expostas em cada uma das suas obras amparadas principalmente pela performance e body art. Tudo está harmonicamente interligado, seja através dos recursos oriundos dos dispositivos apresentados ou pela própria temática proporcionada, os materiais que representam os dois corpos dos artistas e suas subjetividades estão perfeitamente enlaçados, mesclando arte e vida, combinando humor e tragédia, amor e dor.

O enlace matrimonial deste duo, que forma a Cia. Excessos, está profundamente presente na obra que dá título à exposição e que é capaz de bem traduzir a forma como as identidades não são estruturas rígidas e não podem ser definitivas nunca, pois estão em persistente estruturação e nunca são absolutas em uma forma. José Maia – curador que escolheu essa obra como elemento chave da exposição – evidencia terminantemente a sua completa atenção a todo conjunto que ali é oferecido ao público; podemos relacionar cada um dos trabalhos da sala a essa mesma obra em vídeo.

Do primeiro dia, vários espelhos, que primeiramente transportavam a função de objeto principal para que acontecesse a performance Reciprocidade Desalmada (2010/2015), agora servem como elemento para que a(o) visitante dessa exposição reafirme sua compostura já centrada em padrões ou aniquile cada uma delas após encontrar iconografias como a série El Minotauro, em que vemos a masculinidade latente de um dos artistas, ou ainda, travestido com o código da feminilidade em forma de indumento sobreposto a um corpo biologicamente masculino munido de pelos, barbas etc. Os seis espelhos com manchas das bocas que os beijaram durante os incessantes 60 minutos na inauguração da exposição agora servem como objetos para reafirmarmos certos códigos comportamentais ou para repensarmos se os mesmos são simplesmente introjetados mediante a cultura que nos rodeia.

Amparada pelas políticas que circundam a cultura queer, (Tra)vestir um Fa(c)to é um desejo incorruptível de resistir às imposições culturais dominantes, é uma doce guerra declarada à afeminofobia, à homofobia, à transfobia. É uma guerra que renega armas e balas, é uma guerra que atira desejos e não lança bombas, dedica beijos e não exclui vidas. É uma guerra declarada à uma cultura de condenação das diferenças, a mesma cultura que, patologicamente, dita padrões comportamentais.