Em Posições de Dança ou Convite Para uma Dança-Interação
Brasileiros radicados na cidade do Porto, Portugal, Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey realizam uma vida-obra em parceria desde 2006. Fundadores da Cia. Excessos e da eRevista Performatus, criam projetos em dupla ou solo, como artistas visuais, performers, curadores, teóricos, encenadores, pesquisadores e produtores, entre outras atividades. Seu trabalho teórico-prático possui marcadamente um viés conceitual, de caráter performático e teatral, que explora questões relacionais e de afetos, tanto para pensar a coletividade como a intimidade entre corpos e sujeitos. A reunião de suas formações sustenta um contexto transdisciplinar de criação que atravessa as belas artes, história da arte, artes cênicas, moda, filosofia e artes do corpo, incluindo a dança, e que toma a performatividade ou o elemento performativo como um ponto de evidência e investigação artística constante. Sem cessar, experimentam os mais diversos suportes como fotografia, vídeo, escultura, desenho, texto, tatuagem, indumentária, site-specific, e outros, mantendo o corpo em performance sempre presente enquanto tema, ideia, sugestão ou forma.
As peças-proposições desta mostra extrapolam definições e rótulos, sendo organizadas no espaço da instituição como dois atos: Sala dos Sapatos e Sala dos Indumentos. Na primeira, o objeto para performance de Tales Frey, “O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – Variante I”, composto por cinco pares de sapatos adaptados para uso coletivo, e a videoperformance “Estar a Par – Passo a Passo”, também de Frey, evocam coreografia, sincronicidade e ritmo, chamando o público a tomar parte da dança-obra pelo espaço, o tempo todo, assinalando que a galeria é arena livre para experimentar o trejeito corporal que ali começa induzido pelos trabalhos. A performance, compreendida como uma arte do corpo e da presencialidade que propõe ação e relação, convoca à ativação dos elementos inertes dispostos. Assim, pelas mãos dos artistas e sobretudo do espectador-ativador, indumentos originais promovem aproximação física, movimentos coletivos e bailados espontâneos, enquanto transmutam os tecidos em formas escultóricas.
Embora as pesquisas dos dois artistas sejam convergentes em termos temáticos, percebe-se algumas diferenças formais. Enquanto Tales Frey investiga a potência do gesto forçadamente contido dentro ou fora de invólucros ou estruturas, sendo fiel à monocromia e austeridade das cores preta e branca, Paulo Aureliano da Mata explora o gesto largo, cores vibrantes e uma presença corpórea mais histriônica. É dele o letreiro que recebe frontalmente o visitante, e exige o direito de viver nossos corpos e desejos livremente, como numa dança instintiva: “Se não puder também dançar, esta não é a minha revolução”. Além desta obra, uma instalação com diversos objetos e dois vídeos de certa forma homenageiam uma grande inspiração para o artista, a dançarina norte-americana Loïe Fuller (Illinois, 1862 – Paris, 1928), criadora da “Dança Serpentina” (Serpentine Dance), uma coreografia esfuziante e vanguardista na qual vestidos largos e leves de seda em movimento, iluminados por luzes coloridas, evoluíam nos palcos produzindo efeitos visuais e formais revolucionários.
A exposição traz ainda mais três objetos-proposições de Tales Frey: “Conjunto Sensível”, “Ponto Comum” e “Penetras”. Esta última, que não está disponível para ser manipulada, é uma irônica incitação à transgressão. Como o curioso título sugere, trata-se de uma indumentária feita para três pessoas se tornarem um só corpo, o que permitiria a entrada de um trio em locais onde apenas um indivíduo teria acesso, seja uma festa, o transporte público, um evento privado, o cinema…
“Em Posições de Dança” se traduz na vontade artística de tornar o visitante um agente ativador da mostra. É apenas com o uso das peças que a experiência será completa. Como Parangolés do Século XXI, os indumentos convocam à evolução do gesto lúdico, ressignificando tanto a veste como o próprio ato de vestir um invólucro para o corpo e, a partir dele, criar formas com a finalidade de viver a obra em si. Fique à vontade.
Daniela Labra
curadora
OBRAS
SALA DOS SAPATOS
1) Tales Frey, Estar a Par – Passo a Passo, 2019. Vídeo, 1’50’’;
2) Tales Frey, O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – Variante I, 2018. Objeto interativo, 120 x 40 cm; Vídeo, 4’13”;
SALA DOS INDUMENTOS
3) Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata, O Sonho de Loïe Fuller, 2018-19. Vídeo inacabado, 2’25’’ + “A Dança Serpentina do Teatro Trewer de Londres”, de Luca Comerio, filmado em Roma ao ar livre, com a dançarina Teresina Negri, em 1897, inserido mais tarde, com o título A Dança Serpentina, no catálogo da companhia Lumière. Vídeo, 52’’ + Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata, Vestidos de Dança, 2018-19. Materiais diversos, 40 x 40 x 8 cm cada + Patente estadunidense de número 21.458 de 12 de abril de 1892: M. L. Fuller, Vestido de Dança. Tradução de Susana Canhoto. Impressão em alumínio dibond, 29,7 × 42 cm cada;
4) Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata, se não puder também dançar, esta não é a minha revolução., da série Epígrafes em Circuitos Ideológicos, 2019. Letreiro confeccionado em MDF 15 mm com recorte especial e pintura automotiva, aproximadamente 246 x 140 cm;
5) Tales Frey, Ponto Comum – Indumento Relacional, 2018. Indumento interativo, 9 x 57 x 18 cm (caixa com o indumento); 44 x 59 cm (conjunto das fotografias);
6) Tales Frey, Penetras, 2019. Indumento, aproximadamente 70 x 140 cm;
7) Tales Frey, Conjunto Sensível, 2018. Indumento interativo, 100 x 100 cm.
Exposição Em Posições de Dança (2019), de Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey. Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Fotografias de Bernardo Feitosa
Exposição Em Posições de Dança (2019), de Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey. Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Fotografias de Bernardo Feitosa
Programa Paralelo da Exposição Em Posições de Dança
01 de junho de 2019, às 15h
Performance Estar a Par, de Tales Frey, com participação exclusiva de Paulo Aureliano da Mata.
Tales Frey, Estar a Par. Performance realizada na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Junho de 2019. Fotografias de Angela Moss e Bernardo Feitosa
20 de junho de 2019, às 15h
Performance Triunfo, de Tales Frey, com participação exclusiva de Vítor Moraes.
Tales Frey, Triunfo. Performance realizada na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Junho de 2019. Fotografias de Hilda de Paulo
FICHA TÉCNICA
Hilda de Paulo/Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey: Em Posições de Dança | Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil | Curadoria e Texto: Daniela Labra | Revisão ortográfica: Marcio Honorio de Godoy | Design gráfico: Rubens Rangel | Montagem: Alexandre Rodolfo | Com apoio da Câmara Municipal do Porto | Agradecimentos: Ana Pigosso, Angela Moss, Alexandre Rodolfo, Célia Oliveira, Consuelo Bassanesi, Daniela Labra, Frederico Pellachin, Lúcia Helena Vila Verde, Marcio Honorio de Godoy, Paola Frey, Paolo Humberto Dias, Rubens Rangel, Silvana Frey, Suzana Queiroga, Tânia Dinis, Ulisses Carrilho, Vítor Moraes | 01 de junho a 27 de julho de 2019