Tales Frey, Dupla Penetração, 2020. Caixas de luz, 120 x 10 x 15 cm cada. Edição: 3 + 2 P.A. Fotografia de José Caldeira
Tales Frey explicita a arte através do corpo e sua semiótica em um viés transdisciplinar diversificado, que abrange inusitados signos e significados. Propõe uma ordem estética, em constante movimento, que vislumbra novos conceitos e possibilidades do indivíduo e sua identidade na atual conjuntura social, cujo resultado cinge a ressignificação de silhuetas (in)definidas pelo gênero em suas intersecções de corpos, que caracteriza a peculiaridade de seus trabalhos.
Utiliza os mais variados meios de suporte para materializar suas criações artísticas, como fotografias, vídeos, pinturas, desenhos, esculturas, dentre outros, que revelam a performance como veículo principal em seu método investigativo, centralizada na arte do corpo. Seus trabalhos expõem traços de sua formação nas artes cênicas e nas artes visuais, e compreende a afetividade performativa da dança, que atrela o processo criativo desde sua formação genealógica, presente na compleição estética dos movimentos e disposições corporais. Nesta harmonia, há um resgate da convivência de Tales com os grupos de dança dirigidos e arquitetados por sua mãe, Silvana Frey, que combinava expressões rítmicas e de movimentos sonoro-visuais, aplicados por ela através de suas criações artísticas, transmitidas como meios de inspiração e arrebatamento, ocasionados pela narrativa da cadência dos corpos interligados/conectados.
O artista brasileiro atualmente reside em Portugal, administra sua arte e exposições em diversos países, onde conquistou reconhecimentos e premiações. Utiliza artifícios que consolidam subversões didático-reflexivas em suas obras, as quais recodificam e contestam referências hegemônicas e opressoras, vigorantes em diversas práticas culturais do planeta. Alude às citações conjecturadas e impugnadas através do manifesto entre o contexto e o estético, enfatizando a expropriação de práticas e signos cominados e heterogêneos. Os resultados dos trabalhos teórico-práticos perpetuam uma análise do sujeito em inúmeras desconstruções cisnormativas, que propõem variantes através da utilização de indumentos binários, que oferecem reflexões críticas e políticas, contestam os rótulos sociais e se transmutam entre peças escultóricas, compostas por elementos alternados. Tales proporciona uma harmonização simbólica da realidade em inúmeras leituras do sujeito, que transcende os conceitos pré-estabelecidos, e contesta para a abdicação das medidas normativas em que o próprio sujeito se reprime.
Os trabalhos expostos em “Entre a Tensão e o Delírio” refletem a formação simbólica do corpo, difundida através de códigos padronizados, revertidos em linguagens gráficas e materializadas através dos conceitos híbridos de cada obra exposta. Os contornos da concretização individual dos trabalhos estão dialogados com a matéria-prima elegida para esculpir: material reciclado. Os conceitos de reciclagem revogam compreensões infligidas pela sociedade contemporânea, na qual o material contempla uma função única e pré-estabelecida, apesar das crises proporcionadas pelos delírios do consumismo desenfreado, impulsionados pela fetichização e obsolescência de produtos. Atreladas à ideia de transmutação, as obras expostas almejam examinar, revolver e reconstruir espaços sociais, assim como ocorre com o processo de reciclagem, no vislumbre de impulsionar reflexões de práticas culturais, ampliando as possibilidades de ressignificações e modificação como representa o papel machê em uma articulação com a disposição de gêneros no viés da descoberta e redescoberta do sujeito em suas relações e possibilidades, através das manifestações artísticas.
A mescla de elementos advindos da dança e das artes cênicas está bastante presente na videoperformance “O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – 120 bps”. A dança-escultórica sugere movimentos de corpos em uma constante comunicação semiótica, omite a alusão de uma identidade comum e óbvia, unificada pelo imaginário sonoro e imprevisível. O indumento e o contorno dos corpos neutralizam a (bi)dimensão, que condescende com os movimentos livres embora ritmo-temporais, pré-estabelecidos pela assiduidade do ser interdependente através das batidas do metrônomo.
A escultura “Pé 45 Sem Par” acarreta um diálogo entre elementos contrapostos, que atuam na composição de um único corpo, através do contraste binário e da neutralidade do gênero. Posicionada como instrumento criativo da arte corpórea, a estrutura compreende representações: o contorno dos músculos das pernas “masculinas”, desperta uma sensação de peso, contraposto aos sapatos “femininos”, que se mesclam ao leve material utilizado para esculpir as pernas abertas, o papel machê. As duas extremidades dos membros percorrem inúmeras possibilidades de expressar identidades e suas reproduções, que readéquam aos conceitos de um só corpo, inclusive na alusão à posição decomposta da dança.
A escultura cinética intitulada “Thighlighting” também agrega os componentes contrapostos – as pernas e os sapatos – arranjados pela alusão ao efeito visual de movimento circular, onde há um ponto comum que prende as pernas semelhantes, conduzindo ao efeito “leque”. O movimento elaborado em conjunto forma uma peça única e singular, que representa uma dualidade entre a proporção da aplicação da força e o distanciamento das unidades compostas, em uma referência cíclica que articula a reciclagem, indefinidas pela ideia de início e fim em sua constante.
Os pênis contorcidos como corpos em movimentos de dança remetem às interpretações plurais e amplas do ser social em seus entendimentos e ações em “Dupla Penetração”. A presença da escultura corpórea, delimitado através da construção biológica como sujeito e sua conexão com o gênero, possibilita uma reiteração do senso comum sobre uma única perspectiva, cujos signos “apontam” para diversos caminhos, possibilidades e interpretações de quem os interpreta orientados pelos pênis.
As simbologias que entornam a modelação do componente reutilizado e neutralizado em “Entre a Tensão e o Delírio”, captadas nas suas singularidades e subversividades, portam uma relação sólida com a arte da dança em seus posicionamentos e efeitos, representada pela rigidez dos corpos situados entre a arte e a atuação enquanto sujeitos indeterminados pelo gênero, inseridos em meio à exaltação e delírios da sociedade contemporânea e suas demandas.
As exponentes dos corpos de Tales Frey possuem condutas políticas e sensoriais que, a partir do caráter binário, oferecem ao público inúmeras possibilidades de ler, reler, investigar, interpretar, reinterpretar, agir e interagir nas várias manifestações, abertas às novas acepções e discussões. Entrem e fiquem à vontade!
Estefânia Tumenas
curadora
OBRAS
1) Tales Frey, Pé 45 Sem Par – Variante I, 2021. Escultura, aprox. 8 m;
2) Tales Frey, Dupla Penetração, 2020. Caixa de luz, 120 x 10 x 15 cm cada;
3) Tales Frey, O Corpo Nunca Existe em Si Mesmo – 120 bps, 2020. Videoinstalação em loop;
4) Tales Frey, Cento e Trinta e Duas Figuras Corpóreas Como Mediações Sígnicas – Variante Estática, 2020. Desenho digital, 60 x 40 cada;
5) Tales Frey, Thighlighting, 2021. Objeto cinético, aprox. 70 x 70 cm.
6) Tales Frey, Dos Gestos que Sobrevivem em Nós, 2020. Vídeo, 4’29”.
Exposição Entre a Tensão e o Delírio (2021), de Tales Frey. Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães, Portugal. Fotografias de José Caldeira
Vídeo promocional da exposição Entre a Tensão e o Delírio (2021) de Tales Frey no CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura na cidade de Guimarães em Portugal
Programa Paralelo
Conversa Corpo Reciclado, com Tales Frey e Estefânia Tumenas
16 de janeiro de 2021, às 16h00 (com transmissão on-line) | 60’
A curadora Estefânia Tumenas conversa com o artista transdisciplinar Tales Frey a respeito de sua prática, que transita entre as artes cênicas e visuais.
Mostra on-line de vídeos Através dos Afetos
16 de janeiro de 2021, às 17h00 (com transmissão on-line) | 90’, 16 anos
Esta sessão de vídeos inéditos agrega trabalhos realizados por onze artistas do Brasil que exploram a linguagem do vídeo em comunhão com a performance, considerando as temáticas do corpo, das identidades e das subjetivações. Todos os trabalhos foram criados através do curso online “Laboratório de Pesquisa e Criação em Videoperformance”. Artistas: Alexandre Marchesini, Chris Oliveira, Danilo Reis, Kaete Terra, Mauricio Igor, Helena Marc, Karla Samantha, Leo Bardo, Ronan Gonçalves, Soul Nascimento, Vitor Barbara e Yohana Oizumi.
FICHA TÉCNICA
Tales Frey: Entre a Tensão e o Delírio | Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, Guimarães, Portugal | Curadoria e Texto: Estefânia Tumenas | Assessoria de Imprensa: Sara Cunha | Design Gráfico: Estúdio Borogodó | Montagem: Igor Sampaio | Assistente de Montagem: Luīze Gulbe | Realização: Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura | Financiado: Governo de Portugal – Secretário de Estado da Cultura e DGArtes/Direcção-Geral das Artes | Agradecimentos: Alan Oju, Alexandre Marchesini, Beatriz Marinho, Chris Oliveira, Dolores Galindo, Fernanda Moraes, Helena Marc, Hilda de Paulo, Ivan Sales, Joana Delgado, Joshua Swift, João Arsénio, Júlia Antunes, Letícia Maia, Lucas Alves, Lucas Heymanns, Maria Luís Neiva, Maria Maciel, Marcia Fernandes, Marta Oliveira Pinto, Nádia Monteiro, Natalie Hofmann, Olga Machado, Paola Frey, Sama, Sophia Ferreira, Tânia Dinis, Tino Nascimento, Vinícius Davi e Yohana Oizumi | 9 de janeiro a 20 de fevereiro de 2021
Cartaz de divulgação da exposição Entre a Tensão e o Delírio de Tales Frey
Revista Visão, 7 a 13 de janeiro de 2021