Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada na cidade do Porto, Portugal. Janeiro de 2009. Fotografias de Tales Frey, 5 x 7 cm cada. Edição: 7 + 2 P.A.
Performance que compõe a série Beijos.
Se no texto O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, os transeuntes e a imprensa do Rio de Janeiro foram impiedosos com o personagem Arandir, a transposição desse texto para performance não haveria de ser tão diferente, quando, numa experiência entre dois artistas, através de um beijo de 30 minutos ininterruptos, com trajes convencionalmente trocados (ele de vestido e ela de fato de casamento), há a comprovação de que o preconceito é enorme quando a imagem traz uma conotação sexual ainda chocante num contexto moralmente conservador.
O Outro Beijo no Asfalto é uma intertextualidade com o clássico rodrigueano e uma evolução da performance O Beijo.
Coincidentemente, o estabelecimento desativado onde os artistas posicionaram-se em frente durante a primeira experiência, é hoje uma loja de vestidos de casamento.
A ação, que teve várias apresentações, gerou registros em vídeo e fotografias, podendo ser apresentada como videoperformance e, também, através das imagens fotográficas.
FICHA TÉCNICA
Concepção: Tales Frey | Performers convidada(os): B., Emily Cruz Nowell, Joana Leys, Hilda de Paulo, Lizi Menezes, Marcela Tavares, Paola Frey e Tânia Dinis | Duração da ação: 30 minutos
HISTÓRICO
AO VIVO
[2019] Queer Porto V: Festival Internacional de Cinema Queer. Teatro Municipal Rivoli, Porto, Portugal.
[2018] SESC Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil.
[2012] Rapid Pulse Performance Art Festival 2012. Defibrillator Performance Art Gallery, Chicago, Estados Unidos.
[2012] 25ª Feira Franca. Palácio das Artes/ Fábrica de Talentos, Porto, Portugal.
[2011] Stoff – Stockholm Fringe Festival 2011. Estocolmo, Suécia.
[2011] Festival de Performance de Belo Horizonte 2011. Belo Horizonte-MG, Brasil.
[2009] Rua dos Clérigos, Porto, Portugal.
SOB FORMATO VÍDEO E/OU FOTOGRAFIA
[2018] Exposição Enredos para um Corpo. Curadoria de Raphael Fonseca. Centro Cultural da Justiça Federal, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
[2017] Festival Temporal. Assunção, Paraguai.
[2016] Exposição coletiva Em Estado de Guerra. Curadoria de Hilda de Paulo e Tales Frey. Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra, Portugal.
[2015] Exposição coletiva Múltiplas Perspectivas e não menos Contradições e Sonhos. Curadoria de José Maia. I Bienal da Maia: Lugares de Viagem, Maia, Portugal.
[2015] Exposição coletiva (Tra)vestir um fa(c)to. Curadoria de José Maia. Espaço MIRA, Porto, Portugal.
[2015] Exposição coletiva Beija-me. Curadoria de Hilda de Paulo e Tales Frey. SESC Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil.
[2014] Exposição coletiva Moda e Religiosidade em Registros Corporais. Curadoria de Tales Frey. SESC Rio Preto, São José do Rio Preto-SP, Brasil.
[2013] Exposição coletiva Moda e Religiosidade em Registros Corporais. Organização e curadoria de Tales Frey. SESC Campinas, Campinas-SP, Brasil.
[2013] III Circuito regional de performance Bodearte (Corpos Ausentes). Curadoria de ES3 (André Bezerra e Chrystine Silva). Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil.
[2013] Exposição coletiva Beija-me. Curadoria de Hilda de Paulo e Tales Frey. IV Festival de Formas Poéticas, Estação Cultura, Catanduva-SP, Brasil.
[2012] Colóquio Estudos Feministas: O Futuro do Passado. Colóquio da pós-graduação em Estudos Feministas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
[2012] Lançamento do livro Emergency Index 2011. The Kitchen. Nova York, Estados Unidos.
[2010] Alma da Rua 2010. Embaixada Lomográfica, Porto, Portugal.
[2009] Festival Dança em Dia. Contagiarte, Porto, Portugal.
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto, 2009. Vídeo, 6’59”. Edição: 7 + 2 P.A.
Edição 1/5 + 2 P.A. pertence ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC Niterói), Niterói-RJ, Brasil
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto, 2012. Vídeo, 4’01”. Edição: 7 + 2 P.A.
O Outro Beijo no Asfalto (2012), de Tales Frey no Rapid Pulse International Performance Art Festival 2012 na F News Magazine
Entrevista com Tales Frey durante o Festival de Performance de Belo Horizonte 2011 na TV Brasil
Tales Frey em entrevista para o programa Estúdio Móvel da TV Brasil em 2011
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada em Ouro Preto-MG, Brasil. Agosto de 2011. Fotografia de Alber Centurion
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada em Belo Horizonte-MG, Brasil. Agosto de 2011. Fotografia de Gustavo Moreira Alves
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada em Chicago, Estados Unidos. Junho de 2012. Fotografia de Helmut Heiss
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada em Chicago, Estados Unidos. Junho de 2012. Fotografia de Tales Frey
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada na cidade do Porto, Portugal. Maio de 2012. Fotografia de Tales Frey
Tales Frey, O Outro Beijo no Asfalto. Performance realizada na cidade de Ribeirão Preto-SP, Brasil. Novembro de 2018. Fotografia de Eduardo Saad
O Outro Beijo no Asfalto (2011) de Tales Frey publicado no catálogo Emergency Index 2011 (Ugly Duckling Presse, 2012)
Avessamentos: Crítica da Performance O Outro Beijo no Asfalto da Cia. Excessos, de Portugal
Este texto de Dinah Cesare foi publicado em: Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais (Vol. II, n. 13, março de 2009, ISSN 1983-0300).
A performance passou a ser considerada uma expressão artística independentemente de definições elaboradas na década de 1970, época em que o conceito se impunha mais do que o produto propriamente dito. Quando pensamos em performance, pode surgir a ideia de que ela tem como um de seus objetivos ou consequências provocar o choque. Os artistas elaboravam manifestações em espaços urbanos, avaliando de certa forma o fazer artístico em meio ao cotidiano das pessoas. O choque podia ser compreendido tanto pelo lado de quem fazia quanto pelo lado da recepção, pois não era possível prever as reações. Uma das ideias de performance de fato está associada à sua característica de acontecer uma vez e nem sempre deixar registro. O caso feliz da Cia. Excessos de Portugal é que ela realiza uma gravação do seu trabalho e veicula na internet, como no caso da performance O Outro Beijo no Asfalto. O que acontece é que mais pessoas podem se envolver e os sentidos se alastram. Este texto, portanto, é um exercício crítico mediado pelas imagens capturadas por outro, já nasce de uma operação de olhar conjunto e se constrói mais obviamente por uma alteridade.
A performance faz referência à peça do dramaturgo Nelson Rodrigues, O Beijo no Asfalto, escrita em 1961. Na peça de Nelson, um homem na rua perde o equilíbrio, cai e é atropelado por um ônibus. Outro homem que passa vai ao socorro do acidentado que agoniza e lhe pede um beijo. O homem que auxilia o acidentado atende o que seria o último pedido deste e o beija. A partir daí, o homem que dá o beijo cai numa rede de intrigas e é enredado em questões homossexuais e criminais. Seu fim é trágico.
Em O Outro Beijo no Asfalto o espaço é uma rua da cidade do Porto em um horário comercial. A exterioridade dos papéis trocados discute definição de gêneros. A corporalidade dos performers parece conversar de certo modo com nossos princípios de fisionomia, pois a performer é baixa e robusta, compacta, como se pode pensar de uma fisicalidade masculina. O performer é alto e magro, como o ideal de beleza feminina. As roupas, tanto o terno quanto o figurino feminino, são de cortes e motivos antigos, o que parece sinalizar que a questão de gêneros não é uma ocorrência contemporânea, ou seja, discutem a temporalidade, nosso modo de estar no tempo. Se a definição de performance mostra que, entre suas características, ela desempenha o papel de possibilitar ao espectador ter acesso ao mundo da arte em uma interrupção impensada em seu cotidiano, no caso de O Outro Beijo no Asfalto nossa concepção cultural toma, ao menos, um golpe bem-humorado. Mas o curioso é que nem nos damos conta de que realmente, ao contrário da peça de Nelson, o beijo é entre um homem e uma mulher. Talvez isso queira dizer que continuamos os mesmos sendo diferentes: lucidez sutil do trabalho que quase passa despercebida. Porém, a placa de contramão que surge na esquina quando o casal desaparece sinaliza a vigência de uma não aceitação e a contravenção do ato.
A gravação da performance realizada em preto e branco me fez lembrar de uma foto de Robert Doisneau que mostra um casal se beijando em uma rua de Paris em meio aos transeuntes. A referida fotografia é de 1950 e, durante muito tempo, se pensou que fosse um instantâneo casual, porém, ao sabermos que se trata de uma pose elaborada pelo fotógrafo, ela parece evocar a felicidade e a promessa fictícia dos anos pós Segunda Grande Guerra. Os elementos ficcionais da performance da Cia. Excessos, a gravação que deixa à mostra pessoas fotografando e filmando com seus celulares, nos sugere que a discussão da sexualidade possui diversos planos entre o que conquistamos em termos de direito e a fogueira na qual nos deixamos arder.